Sara Gomes

Jornalista

Faz parte da equipa do “Príncipes do Nada” desde o primeiro momento. Valorizou sempre o “jornalismo de cariz mais social” e, talvez por isso, se tenha especializado tão rapidamente na linguagem do “Príncipes do Nada”. Iniciou-se na profissão como estagiária do jornal “Público”, onde acabaria por ficar ligada a projectos editoriais e chegou a colaborar para diferentes secções. Como jornalista freelancer, já fez reportagens para diversos media, entre os quais: a Visão, o jornal Expresso, as revistas Única e Pública e o Channel Plus (França). A experiência internacional mais marcante aconteceu recentemente, em Londres, como jornalista na secção Português para África do World Service da BBC, durante cerca de um ano. Trabalha na produtora Até ao Fim do Mundo desde 2004, tendo estado envolvida em inúmeros projectos como: os documentários “Dar Vida Sem Morrer”, o programa “Só Acontece aos Outros”, “Terra Alerta” e “35 mm”, o projecto “Olhos nos Olhos com a Cova da Moura” que deu origem à emissão “Aqui é o meu bairro – Cova da Moura”, entre outros. Tem 30 anos e já conhece 20 países, graças à maior das suas paixões: viajar! Não tem dúvidas em afirmar que o “Príncipes do Nada” é “um programa único no panorama da televisão nacional e que é um privilégio fazer parte de um projecto destes”.

Trabalhas neste projecto desde a sua origem, em 2005. Que aspectos positivos e negativos destacas, em jeito de balanço, da tua experiência de trabalho até aqui?

Para contar uma história é sempre melhor começar pelo início, não é? Lembro-me de há sete anos começar a ouvir nos corredores da Até ao Fim do Mundo que íamos ter um projecto com a Catarina sobre ONG e voluntários. Fiquei logo interessada! Na altura fazia um programa sobre cultura, que adorava, mas sentia que me faltava qualquer coisa. Sempre gostei de um jornalismo de cariz mais social, perto das pessoas, que pudesse fazer a diferença. Os Príncipes eram e são isso mesmo. Não consigo imaginar um programa de televisão tão empenhado no mundo que nos rodeia.

Não há nenhum aspecto negativo?

O único aspecto negativo é a frustração de sentir que, por vezes, não conseguimos ajudar todos quantos realmente gostaríamos. E aí começam as dúvidas: O que faltou fazer? Como podíamos ter sido mais eficazes? Como chegar às pessoas? Estamos sempre a questionar-nos e a querer mais.

Qual é exactamente a tua função no “Príncipes do Nada”?

Como jornalista do programa, o meu trabalho passa por fazer pesquisa, visionar o material das reportagens, preparar conteúdos, acompanhar a edição e o fecho dos programas. Na primeira edição do “Príncipes do Nada”, também fui para o terreno fazer as reportagens em Portugal. Sempre que é necessário, tento ainda ajudar na produção, a encontrar histórias, a fazer contactos. Agora com as redes sociais, também sou uma das pessoas responsáveis por colocar conteúdos no Facebook do programa, o que nos tem aproximado muito das pessoas e nos dá uma ideia mais clara daquelas que são as preocupações, as dúvidas e mesmo as curiosidades do público em relação ao programa. Em paralelo, estou ainda envolvida na produção de conteúdos para a página de Internet do programa. Tudo isto é feito sob a orientação da Catarina, que é o coração do ”Príncipes do Nada”, e do próprio realizador, o Ricardo Freitas. Mas é importante salientar que há um verdadeiro trabalho de equipa no “Príncipes do Nada” e, por isso, não há funções estanques para nenhum dos envolvidos no programa. Todos nos entreajudamos. Esse é, aliás, o espírito da Até ao Fim do Mundo.

Como jornalista, como é que avalias/caracterizas esta forma de fazer informação para televisão?

É uma pergunta interessante. Nunca negámos que o “Príncipes do Nada” são histórias contadas pela Catarina. É o seu olhar sobre cada pessoa, cada ONG, cada país que marca este programa. Mas não se trata de um programa de entretenimento, nem tão pouco de opinião. Todos os dados informativos das reportagens são o mais rigorosos possível. Todos nós fazemos o trabalho de casa e documentamo-nos muito bem para garantir que não existem faltas de rigor, nem contradições. Procuramos sempre fontes credíveis.

Isso faz do “Príncipes do Nada” um programa de informação?

Talvez não, no sentido mais restrito da palavra. Eventualmente os puristas do jornalismo podem acusar o programa de falta de objectividade. Mas aí coloco eu uma questão: o que é isso de objectividade em jornalismo? Há algum jornalista que seja realmente imparcial? Para mim, fazer jornalismo e informação é contar uma história com sentido de verdade. E isso nós fazemos. O “Príncipes do Nada” é feito com grande honestidade por todos nós.

Em que é que o programa “Príncipes do Nada” é diferente?

É diferente porque se envolve, porque assume que quer mudar este mundo tão desajustado, que gostaria de fazer a diferença na vida das pessoas. Claro que não temos a solução para os problemas dos países em vias de desenvolvimento, nem para as dificuldades com que tantos portugueses se debatem nos nossos dias. Mas estamos empenhados em tentar cumprir aquele que entendemos ser o nosso papel para contribuir para uma sociedade mais justa e equilibrada.

Qual é a tua maior motivação neste programa?

De início, tive logo uma enorme vontade de fazer parte deste projecto por acreditar que podia marcar a diferença, mesmo que fosse apenas no mundo de algumas pessoas. Hoje, continuo a acreditar nisso, mas muito mais do que antes. Já se passaram sete anos e toda a equipa cresceu com este programa. Vemos resultados! Fomos recebendo feedback muito positivo. Percebemos que é um programa único no panorama da televisão nacional e que é um privilégio fazer parte de um projecto destes onde também exercemos activamente a nossa cidadania. Além disso, é impossível ficar indiferente às histórias que vamos vendo, que ajudamos a construir. Aprendo muito com o programa, com os nossos “príncipes”. A sua dignidade também é um exemplo de vida para mim.

Como é que as pessoas têm reagido ao teu trabalho no “Príncipes do Nada” ao longo destes sete anos?

De forma muito diferente, mas regra geral muito positiva. A reacção mais curiosa aconteceu durante uma formação em que participei com pessoas de vários cantos do mundo… A determinada altura, tive de fazer uma apresentação e resolvi falar sobre este programa. Lembro-me do espanto das pessoas a dizerem-me que achavam que era um excelente conceito para um programa de televisão, que tinham pena de nunca terem visto nada do género nos países delas, que sabiam muito pouco sobre a situação actual dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, que é algo que desde a segunda série do programa temos sempre abordado. Foi muito gratificante!

Há alguma história que te tenha marcado especialmente?

São tantas as histórias que me marcaram… Mas, nesta terceira série, tenho de destacar a peça sobre a ONG CCC no Sudão do Sul. Recordo-me de estar a visionar as imagens e as entrevistas e ter-me comovido… Mas como é que podemos não nos emocionar quando ouvimos meninas com pouco mais de cinco anos a contarem como foram brutalmente violadas e como isso é quase uma prática comum naquele país? Como podemos ficar indiferentes quando ouvimos a história de uma menina de três anos que ficava aos pés da cama enquanto a mãe se prostituía? É muito difícil aceitar que existem lugares assim no mundo.

São lições de vida?

Sim, esta reportagem do Sudão do Sul é mesmo uma lição… Mas não vemos só o lado mau. Fomos atrás daqueles que estão a tentar dar um novo amanhecer ao mais jovem país do mundo, enfrentando tudo, colocando até a sua vida em risco… Enfim, é uma história que vale a pena ver e rever! Mas podia falar de muitas outras histórias também… Nunca me esquecerei da enfermeira Laura em Moçambique que, mesmo sem um pé, não pára de ajudar todas as crianças órfãs de sida que batem à sua porta, dando-lhes abrigo e comida. E depois há o pequeno Zé Carlos, em Cabo Verde, que tinha os brinquedos pendurados numa parede do quarto para não os estragar, porque aqueles eram os únicos que tinha! São realidades difíceis, muito distantes de nós, mas que existem. Não as podemos ignorar ou esquecer.
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